Velocidade do som no ar
Medidas de velocidade são tipicamente feitas a partir de informações de posição e de tempo ($v = \Delta x/ \Delta t = (x_2-x_1)/(t_2-t_1)$). Uma maneira de medir a velocidade do som no ar é colocar uma pessoa a uma distância conhecida, pedir a ela que dispare um rojão e medir o tempo que leva entre a visualização do disparo e a chegada do som. Se a pessoa está a 500 m de distância e o tempo decorrido entre o disparo e a chegada do som for de 1,5 s, a sua velocidade média no percurso terá sido de 333 m/s.
Outra técnica bastante conhecida consiste em medir o tempo que um curto pulso sonoro leva para ir até um objeto, refletir nele, e retornar até o ponto de partida. Sonares, morcegos e aparelhos de ultrassonografia utilizam essa estratégia de maneria inversa: conhecidas as velocidades do som em cada meio (água, ar e tecidos humanos), eles obtêm a distância entre o ponto de emissão/recepção e as estruturas que refletem o som.
Medidas da velocidade do som são uma importante fonte de informação sobre outros parâmetros de um sistema. A velocidade do som nos gases têm uma dependência muito bem definida com a temperatura do gás, sendo rotineiramente empregada para a determinação da distribuição de temperatura em fornalhas de usinas termoelétricas, por exemplo. Medidas da velocidade do som nos oceanos podem fornecer informações sobre a salinidade, temperatura e pressão.
Emissores/receptores de som são utilizados para obter uma tomografia da distribuição de temperatura em caldeiras a partir da medida da velocidade do som. Fonte: Catálogo da TMT Tapping Measuring Technology GmbH, Siegen, Alemanha.
Essa simulação reproduz o experimento do tubo de Kundt, uma maneira peculiar de se medir a velocidade do som. No experimento, são feitas medidas do comprimento de onda e da frequência de ondas estacionárias produzidas no tubo, e a velocidade do som calculada utilizando o fato de que a velocidade $v$ da onda é dada pelo produto entre o comprimento de onda $\lambda$ e a frequência $f$: $v = \lambda f$.
A simulação acima representa o movimento das moléculas em um tubo fechado na extremidade direita e aberto na extremidade esquerda à medida que a membrana de um alto-falante (o traço vertical móvel à esquerda) oscila com uma frequência bem definida.
O padrão exato de movimento das moléculas dentro de um tubo pode depender de muitos fatores. Nesse modelo vamos explorar a importância de apenas dois: a frequência de oscilação da membrana do alto-falante e o comprimento do tubo.
Primeiro é preciso deixar claro que são raríssimas (se é que existem) as ondas tão bem comportadas que podem ser descritas por um único seno ou cosseno. Em geral, mesmo notas musicais muito bem definidas têm padrões de variação extremamente complexos que dependem da geometria e dos materiais dos instrumentos que as produzem, e do meio em que se propagam. Felizmente, técnicas matemáticas desenvolvidas há séculos nos permitem tratar qualquer onda como uma combinação de ondas representáveis por simples senos e cossenos.
Ao mover-se para a direita, a membrana "empurra" as moléculas criando uma região de alta pressão. Ao mover-se para a esquerda, a membrana "abre espaço", criando uma região de baixa pressão. Essa oscilação da pressão propaga-se para a direita (onda longitudinal), até que encontra a parede da direita. Por ser rígida, a parede da esquerda faz com que as partículas "rebatam" e que a onda de pressão incidente seja (parcialmente) refletida. Ao retornar, a onda refletida encontra a membrana do alto-falante e também é (parcialmente) refletida nele, e assim sucessivamente. Para um dado comprimento do tubo e valores específicos de frequência, a superposição das ondas indo da esquerda para a direita com as ondas indo da direita para a esquerda forma uma onda estacionária, como as que podem ser visualizadas na simulação.
Ondas estacionárias são caracterizadas pela presença de "nós", que são regiões onde a pressão não varia, e "ventres", que são as regiões de pressão variável entre os nós (no modelo, os nós são planos verticais infinitamente estreitos e perpendiculares ao eixo de simetria do tubo). À medida que nos distanciamos dos nós a amplitude de movimento das partículas aumenta, atingindo um máximo em um ponto médio entre dois nós. Observe ainda que, à medida que o tempo passa, algumas moléculas movem-se para a esquerda, enquanto outras, simultaneamente, movem-se para a direita.
Foram adicionados alguns elementos gráficos para tentar facilitar a compreensão do que acontece. A simulação mostra a pressão em diferentes pontos do tubo, de duas maneiras: um gradiente de cinzas e uma curva (em preto) que sobe e desce. Também mostra o gráfico da amplitude do movimento das partículas ao longo do tubo (em vermelho): a curva sobe e desce nos ventres e permanece parada nos nós.
Na simulação o tempo foi programado para andar mil vezes devagar do que na realidade (se isso de fato acontece no seu computador, depende dos recursos de processamento): no mundo real, a membrana oscilando no harmônico fundamental (85 Hz) leva cerca de 0,012 segundos para completar um ciclo, enquanto na simulação esse movimento dura quase 12 segundos.
Nos materiais didáticos em geral a abstração de uma onda nos é apresentada a partir figuras como a que segue.
Concretamente, a figura é apenas um gráfico da função $y = A \sin bx$, onde $A$ e $b$ são constantes. Para transformá-la em uma onda é preciso dar significado a $x$, $y$, $A$ e $b$, e às grandezas $\lambda$ e $T$ indicadas na figura. Esses significados dependem do tipo de onda que queremos representar.
Se você parar a simulação vai obter uma "foto" da onda, congelando-a em algum instante no tempo. Nesse caso, o eixo x do gráfico representa a posição ao longo do tubo, e há uma correspondência direta entre o eixo x da imagem estática e o eixo x do gráfico. Nesse caso, a distância demarcada com a cota horizontal corresponde ao comprimento de onda $\lambda$ da onda.
Alternativamente, você pode se concentrar em uma única partícula em um ponto específico do tubo e acompanhar o que acontece com a partícula ou com a pressão no tubo à medida que o tempo passa. Nesse caso, o eixo x do gráfico representará a passagem do tempo. Nesse caso, a distância demarcada com a cota horizontal corresponde ao período $T$.
A simulação apresenta duas curvas, uma (vermelha) para a amplitude do movimento da partícula em cada ponto e outra (preto) para a pressão em cada ponto. A pressão também é representada pelo gradiente de cinzas ao fundo. Assim, no eixo y do gráfico acima podemos representar tanto a amplitude de movimento quanto a pressão.
Se o eixo y for utilizado para representar a amplitude do movimento, os valores altos e baixos do gráfico não significam que as partículas estão mais para cima ou para baixo no tubo, mas que estão mais à direita ou à esquerda. Para tentar reforçar isso, a simulação pode destacar ("detalhe") uma partícula exatamente no centro de cada ventre movendo-se sobre uma linha horizontal que tem o mesmo tamanho da linha vertical que liga os pontos de máximo e mínimo da curva de amplitude.
Se o eixo y for utilizado para representar a pressão, os valores altos e baixos do gráfico significam que a pressão é maior ou menor naquela região (a pressão resulta da combinação do número de moléculas com suas velocidades).
Ondas estacionárias também são chamadas de harmônicos. A onda com a menor frequência possível para o sistema em geral é denominada harmônico fundamental (1o. harmônico) e as demais são denominadas harmônicos superiores (2o. harmônico, 3o. harmônico etc.)
Em um tubo fechado em uma das extremidades a superfície que fecha o tubo representa um nó (naquele ponto a pressão nunca varia) enquanto na outra extremidade temos o máximo de um ventre (que está em contato com a fonte de excitação da onda). A figura a seguir mostra as ondas estacionárias (harmônicos) que satisfazem essas condições de contorno para um tubo fechado em uma das extremidades.
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$$L = 1 \frac{\lambda}{4} \rightarrow \lambda = 4 \frac{L}{1}$$ $$L = 3 \frac{\lambda}{4} \rightarrow \lambda = 4 \frac{L}{3}$$ $$L = 5 \frac{\lambda}{4} \rightarrow \lambda = 4 \frac{L}{5}$$ |
À esquerda, a representação das amplitudes de oscilação das ondas estacionárias correspondentes aos três primeiros harmônicos em um tubo de comprimento $L$ com uma das extremidades fechada. Os padrões de cinza ao fundo foram adicionados somente para realçar as diferentes regiões que se estendem por 1/4 do comprimento de onda $\lambda$. À direita, as relações matemáticas entre o comprimento do tubo e o comprimento de onda para os harmônicos representados. Note que o comprimento de onda é quatro vezes o comprimento do tubo dividido por um número ímpar.
Em um tubo aberto nas duas extremidades temos máximos de ventres em ambas, como mostra a figura a seguir.
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$$L = 2 \frac{\lambda}{4} \rightarrow \lambda = 4 \frac{L}{2} = 2 \frac{L}{1}$$ $$L = 4 \frac{\lambda}{4} \rightarrow \lambda = 4 \frac{L}{4} = 2 \frac{L}{2}$$ $$L = 6 \frac{\lambda}{4} \rightarrow \lambda = 4 \frac{L}{6} = 2 \frac{L}{3}$$ |
À esquerda, a representação das amplitudes de oscilação das ondas estacionárias correspondentes aos três primeiros harmônicos em um tubo de comprimento $L$ com as duas extremidades abertas. Os padrões de cinza ao fundo foram adicionados somente para realçar as diferentes regiões que se estendem por 1/4 do comprimento de onda $\lambda$. À direita, as relações matemáticas entre o comprimento do tubo e o comprimento de onda para os harmônicos representados. Note que o comprimento de onda é quatro vezes o comprimento do tubo dividido por um número par.
No caso de um tubo fechado em uma das extremidades de com 1 metro de comprimento e preenchido com ar seco a uma temperatura de cerca de 20°C, em que a velocidade de propagação é de aproximadamente 340 m/s, as frequências dos harmônicos são 85 Hz, 255 Hz, 425 Hz, 595 Hz, ...., segundo uma sequência de frequências dadas por f = 85 × n para n = 1, 3, 5, 7, ...
Para gases ideais (uma boa aproximação para o caso do ar seco) a velocidade do som depende somente da temperatura pois os efeitos da densidade e da pressão, a uma dada temperatura, têm contribuições idênticas e de sinais opostos, cancelando-se exatamente. A velocidade do ar aumenta sutilmente com a umidade, até cerca de 0,6% no caso extremo (as moléculas de oxigênio e nitrogênio, principais constituintes da atmosfera, são parcialmente substituídas por moléculas de água, mais leves).
Experimentalmente, são encontrados valores entre 331,2 m/s e 331,6 m/s para a velocidade do som no ar seco a 0°C. Uma excelente aproximação para a dependência da velocidade $v$ do som no ar com a temperatura $T$, dada em graus celsius, é dada por:
$$ v_{\mathrm{ar} }=331\text{,}3~{\sqrt {1+{\frac {T}{273\text{,}15}}}}~~~~\mathrm {m/s} $$Frequências das ondas no tubo de Kundt para comprimentos da coluna de ar entre 10 e 100 cm. As faixas estão relacionadas ao número do harmônico da onda (preto, n = 1; azul, n = 3; vermelho, n = 5 etc.) e mostram a variação das frequências em função da temperatura do ar. O limite inferior de cada faixa foi calculado utilizando a velocidade do som para T = −20°C, e o limite superior para T = +60°C.
O arranjo experimental consiste em um tubo de vidro com aproximadamente 1 m de comprimento e cerca de 5 cm de diâmetro. No interior do tubo, ao longo de todo o seu comprimento, é distribuída uma camada de material particulado leve ("grãos" com cerca de 1 mm de diâmetro, – serragem, fragmentos de cortiça, isopor etc). O material é mobilizado pelo som (ar em movimento) emitido pelo alto-falante conectado a uma das extremidades do tubo. O alto-falante, por sua vez, está conectado a um gerador de sinais de áudio de frequência e amplitude variáveis. Na outra extremidade é colocado um êmbolo móvel utilizado para regular o comprimento efetivo do tubo.
Tubo de Kundt. Ao centro está o dispositivo eletrônico que gera as ondas senoidais, amplifica-as e transforma-as em sinais de áudio enviados ao alto-falante conectado à extremidade esquerda do tubo. Quase invisível na imagem, uma fina camada de material particulado está depositada ao longo do comprimento do tubo. A mão do experimentador mostra onde está posicionado o êmbolo que define a extremidade fechada do tubo. Créditos: Timothy McCaskey, Department of Science and Mathematics, Columbia College Chicago, https://i.ytimg.com/vi/Nbhh0B2ajaQ/maxresdefault.jpg. Acesso em 08.set.2017.
Dados adquiridos com a simulação para L = 50, 60, 70, 80 e 90 cm, para os 5 primeiros harmônicos de um tubo fechado em uma das extremidades (harmônicos 1, 3, 5, 7 e 9), para o ar em duas temperaturas diferentes. As barras de erro horizontais e verticais, não mostradas, são aproximadamente iguais ao diâmetro dos pontos no gráfico. Superpostos aos pontos são mostradas as retas ajustadas aos dados pelo método dos mínimos quadrados.
Arranjo | Comprimento do tubo L (m) |
Nro. do harmônico n |
Comprimento de onda λ (m) |
Frequência f (Hz) |
Inverso da frequência f−1 (Hz−1) |
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Ao clicar aqui o seu navegador abrirá uma nova aba para você fazer os gráficos a partir dos pontos da tabela.
Esse aplicativo não faz isso automaticamente justamente para que você exercite o seu discernimento a respeito da definição das escalas, nomes e unidades dos eixos, algarismos significativos dos rótulos das escalas, colocação dos pontos, traçamento de curvas etc.
O uso é bastante intuitivo:
Esta simulação foi inspirada no equipamento e na metodologia utilizados nas disciplinas experimentais oferecidas pelo Laboratório de Mecânica, Termodinâmica e Acústica do Departamento de Física da Universidade Federal de Santa Catarina.
A simulação implementa o modelo básico de formação de uma onda estacionária senoidal "pura" em um tubo com uma das extremidades fechada: dado um comprimento de tubo $L$ escolhido pelo usuário são calculados os comprimentos de onda $\lambda = 4L/n$ das ondas estacionárias para diversos valores de $n$ ímpar. Antes do cálculo de $\lambda$, entretanto, é introduzida uma flutuação gaussiana na posição escolhida pelo usuário para simular a incerteza de escala.
A partir dos comprimentos de onda são calculadas e armazenadas as frequências $f$ das possíveis ondas estacionárias utilizando a relação $f = v / \lambda$, onde $v$ é a velocidade do som. O valor utilizado para $v$ é calculado utilizando a relação $v = 331\text{,}3 \sqrt{1 + T/273\text{,}15}$ onde $T$ é uma temperatura sorteada quando a simulação é (re)carregada, a partir uma distribuição uniforme entre −20 °C e +60 °C.
Quando o usuário escolhe uma frequência a simulação verifica se esta está dentro de um intervalo de ±1% centrado nas frequências calculadas para as possíveis ondas estacionárias. Quando isso ocorre é mostrada a onda estacionária (linhas verticais vermelhas).
A amplitude da onda em cada ponto inclui três efeitos para tentar dar um efeito próximo do que se observa no experimento real:
Todos esses recursos têm a finalidade de passar uma ideia sobre o que se vê no experimento real, mas pouco interferem na qualidade dos dados se o "experimentador" for razoavelmente cuidadoso (em outras palavras, um gráfico com pontos algo fora da reta indicam desleixo do experimentador).
A física básica deste experimento (ondas estacionárias em tubos) pode ser encontrada em virtualmente todos os livros de ciclo básico de física para ciência e tecnologia (engenharias, física etc.), tais como Halliday & Resnick, Serway, Tipler etc., e mesmo em bons livros voltados para o Ensino Médio.
Uma simulação visualmente apelativa mas operacionalmente muito mais simples desse experimento pode ser encontrada em Amrita Vishwa Vidyapeetham Virtual Lab (Amrita University), http://vlab.amrita.edu/?sub=1&brch=201&sim=853&cnt=4.
O artigo original de August Adolf Eduard Eberhard Kundt, foi publicado em 1866 no Annalen der Physik, intitulado "Ueber eine neue Art Akustischer Staubfiguren und über die Anwendung derselben zur Bestimmung der Shallgeschwindigkeit in festen Körpern und Gasen" (Annalen der Physik, Leipzig: J. C. Poggendorff, 127 (4): 497–523. doi:10.1002/andp.18662030402.
Dois anos depois, uma tradução para o inglês foi publicada: Kundt, August (January–June 1868), "Acoustic Experiments". The London, Edinburgh and Dublin Philosophical Magazine and Journal of Science. Vol. 35 no. 4. UK: Taylor & Francis, pp. 41–48.
O roteiro do experimento "A01 – Velocidade do som no ar" efetivamente utilizado nas aulas do Laboratório de Mecânica, Acústica e Termodinâmica do Departamento de Física da UFSC está disponível apenas internamente.